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Ela e Franklin

Quando Ela me contou sobre o Franklin, ouvi atentamente, sem reação. Sem qualquer reação que Ela esperasse, Dei-lhe as costas e comecei a caminhar. Ela chorava atrás de mim. Não voltei os olhos para ver nem Ela deixava soluços audíveis escaparem, mas eu dolorosamente sabia que Ela chorava, como também sabia que desejava gritar o meu nome.

A minha mente estava confusa como nunca antes. Eu sabia que um dia assim chegaria, um dia em que a confusão em minha cabeça seria tão grande que eu não teria mais controle sobre ela. A minha loucura parecia estar se tornando independente. A caminhada para lugar nenhum que eu fazia agora era longa, teria tempo para tentar inutilmente arranjar meus pensamentos.

Inventar um amor como Ela foi uma tarefa complicada. Não foi, para mim, a coisa mais difícil do mundo, mas não posso omitir que foi algo complicado.

Desde a consciência, desde tudo aquilo de que me posso lembrar, eu já me entendia como diferente, díspar dentre os homens. Tentei me encaixar dentre os infindáveis grupos da sociedade de meu tempo, que não deu certo. Tentei me definir, e isso me resultou impossível, dada minha natureza tão fluida e imprecisa e que não se entendia homem, nem animal, nem matéria, nem filho, nem certo de nenhuma certeza neste mundo; incerto quanto à lucidez e à loucura, eu estava entre tudo, sem pertencer a nada. Por um instante, pensei que pudesse ser alguém superior, mas logo percebi estar equivocado, não tinha nada de especial em mim, agora sei. Sou um mero mortal, diferente como todos são, e um universo independente, com todos os outros. O motivo de eu ser tão diferente daqueles que compartilham comigo uma cidade ou uma época é simples: um azar terrível; uma covardia do Destino, se estivesse uma consciência sobre a qual pudéssemos projetar culpa.

Preso às minhas sensações invulgares que me fazem compreender o tudo como se tivesse por olhos caleidoscópios , verifiquei que não havia canto neste mundo que me coubesse. Os deuses que me apresentaram não me serviram; a arte que saboreei me pareceu um mistério terrível, como Deus; e o amor...Impossível.

A necessidade humana me obrigou a estar preso a certas coisas e vícios que, mesmo que eu repudiasse, tinha extrema urgência de possui-los. Dentre essas coisas, a primeira que desesperadamente fui buscar foi o amor, mas neste mundo em que não caibo, não tive senhorita que me servisse.

O amor foi a primeira coisa que tive que inventar. Criei Ela, e a amei por demais. Tão complexo foi o amor que projetei, que se tornou maior que eu mesmo. Ela vivia, viva mais do que vivi. Para presentear Ela, passei a tecer mais e mais e desde então não soube parar. Materializei todo um mundo e a pus nele como rainha. Foi interessante brincar de Deus, mas que homem não surtaria, tendo sua natureza frágil e caráter errante, ao tentar se aproximar, o mínimo que fosse, do fazer divino?

Quando passei a confundir o "real" dos homens e dos deuses com o "irreal" que era meu, Ela já agia contra a minha vontade e, como Lúcifer, me fez falhar na minha onisciência. Ela agora podia me arrancar pedaços...Já era real demais para mim.

Eu não sabia sobre Franklin até aquele momento. Como me doeu saber!

_Eu me sinto estranha no mundo em que vivo, como você se sente, amor..._Ela disse.

_Você não é o único que tem a capacidade de inventar amores...

Aquele foi o último dia de vida dÉla. Eu nunca cheguei a ver a cor do Frankiln. Suponho que eu houvesse sido um rapazinho surpreendente e, quiçá, talvez eu aprendesse a gostar dele e perdoasse Ela, mas não cheguei a pensar nisso naquele momento.

É estranho ...mesmo depois que Ela se foi, as coisas parecem continuar iguais. Meus pensamentos ainda estão confusos, ainda caminho pela estrada para lugar nenhum que agora julgo ser irreal, produto de minha alienação.

É estranho você cometer suicídio e permanecer vivo.


Daniel Canhoto é formado em Letras InglÊs/portugues e atua como professor de Língua Espanhola. Escreve poemas com o heterônimo de Mário Guanumbi. Autor dos livros Ausencia e Onírica. Possui textos publicados pela revista digital Sotaques.


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