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ELEIÇÕES NAS ESCOLAS PÚBLICAS: FORTALECER A DEMOCRACIA PARA TRANSFORMAR A REALIDADE


Por Cristino Cesário Rocha*

É ano de eleição para gestor/a e conselhos escolares das escolas públicas do Distrito Federal, a se realizar no dia 25 de outubro de 2023. Formulação de Proposituras (propostas de ação), debate qualificado e votação são três pilares do processo eleitoral. Cada candidato/a precisa reconhecer que não há mágica, messianismo e tábula rasa na educação, nem a necessidade de inventar a roda. Há, sim, um Projeto Político-Pedagógico em andamento que precisa ser respeitado e reconhecido como uma mediação históricaque orienta os rumos do fazer pedagógico, administrativo e financeiro.

As eleições para gestor/a nas escolas públicas do Distrito Federal representa um ganho na luta empreendida pelo SINPRO/DF, a categoria como um todo e alguns deputados/as distritais,para chegar à Lei 4.751, de 07 de fevereiro de 2012 – Lei de Gestão Democrática. Entre os princípios a serem observados, destaco dois:

“I – Participação da comunidade escolar na definição e na implementação de decisões pedagógicas, administrativas e financeiras, por meio de órgãos colegiados, e na eleição de diretor e vice-diretor da unidade escolar. II – Respeito à pluralidade, à diversidade, ao caráter laico da escola pública e aos direitos humanos em todas as instâncias da Rede Pública de

Ensino do Distrito Federal”.

A eleição tem primazia sobre a indicação. Ao ser eleito/a, presume-se que se tenha interdependência, algo diferente de uma dependência cega, subserviente às instâncias maiores do poder público. Neste sentido, as relações entre Gestor/a escolar, Diretor/a Regional de Ensino, Secretária de Educação e Governo do Distrito Federal precisam ocorrer de maneira respeitosa, dialogal, democrática e livre de qualquer subordinaçãovertical. Livre dos ditames que provêm de uma rigidez hierárquica, capaz de pôr em risco a integridade e autenticidade dos órgãos colegiados e a própria eleição como tal.

Um mesmo entendimento pode ser estendido às relações na escola, em contexto democrático antes e pós-eleições: não deve haver verticalidade de poder entre equipe gestora, Orientação Educacional, professores/as, estudantes, Carreira Assistência à Educação e demais funcionários/a da Unidade Escolar. Formação humana e democracia participativa não combinam com autoritarismo, posturas autocráticas e fundamentalismo/moralismo religioso e normativo.

Entretanto, o primado da eleição sobre a indicação não é,necessariamente, uma prerrogativa paraa gestão democrática, vez que essa exige postura dialógico-dialética, muito além da semântica. A palavra “democracia” deve ser assumida como práxis. Neste sentido, lei por si só não é sinônimo de democracia, mas sem ela, não seria possível adentraros meandros de uma especificidade democrática dentro da escola.Ademais, é lamentável, que muitos candidatos/as não acessem a Lei de Gestão Democrática, o que enfraquece a propositura e esvazia a praticidade.

A postura democrática coloca em discussão o que fazer, com quais objetivos, de modo que a decisão seja coletiva. Por outro lado, a postura autocrática é aquela que, decide primeiro, para depois colocar a decisão tomada em votação. Um autoritarismo maquiado de democracia. O ato democrático não pode ser suprimido com a falsa alegação de que “o povo não sabe nem quer participar”, “o estudante não tem o que dizer de mais importante” e que “não se tem tempo para o processo democrático”.

O primeiro princípio posto pela Lei de Gestão Democrática é, essencialmente, umaorientação sobre como se deve perfazer e permearos rumos das escolas em três grandes dimensões: pedagógicas, administrativas e financeiras. E, se isso vai se dar de maneira autoritária e unilateral ou se vai acontecer de forma sustentadae efetiva, com a participação de toda a comunidade escolar. Ao articular essas dimensões, para que elas não exerçam uma posição mecanicista, é importante que sejam discutidas, planejadas e executadas dentro de uma visão de conjunto e como possibilidades reais de transformação social-política, cultural e educacional da comunidade escolar e, no nível de uma utopia, de transformação da sociedade brasileira contemporânea.

A Gestão Democrática, para ser viável e efetiva, terá que reconhecer e colocar em prática os mecanismos de participação constantes no Artigo 9º, por meio dos órgãos colegiados: “Conferência Distrital de Educação; Fórum Distrital de Educação; Conselho de Educação do Distrito Federal; Assembleia Geral Escolar; Conselho Escolar; Conselho de Classe; grêmio estudantil e Direção da Unidade Escolar”. Fora do compromisso com a praticidade, a gestão democrática resvala em verborragia.

O segundo princípioé indissociável do primeiro – orienta no sentido mais amplo do fazer-pensar democrático: respeitara pluralidade, a diversidade, o caráter laico da escola pública e os direitos humanos.É preciso que esses dois princípios sejam temas de estudo e prática, tanto em salas de professores quanto em salas de aula. Para isso, devem fazer parte do Projeto Político-Pedagógico da escola.

A ação-reflexão e reflexão-ação devem estar incorporadas ao modus vivendi e modus operandi da educação pública, em geral, e de cada unidade escolar. A excelência do respeito, aqui tratado em quatro perspectivas, atinge seu ápice na ação cotidiana, com e para além da escola, um dos objetivos da educação escolar.

A escola, quando assume o compromisso de exercer sua função social, política, educativa, científica e cultural, passa a ser um inevitável território de disputa para alcançar a transformação que desejamos.Para que a escola seja capaz de exigir mudanças de fora, em âmbito societário, deve, necessariamente, mudar a sua práxis cotidiana, e abrir-se à democracia participativa. Esse é um dos caminhos para a consolidação da dignidade humana, que se consubstancia no respeito à pluralidade, no caráter laico da escola pública, n diversidade e nos direitos humanos.

Quem se propõe a ser um/a gestor/a escolar, deve, com urgência, conhecer o Projeto Político-Pedagógico da escola, promover uma gestão democrática, auscultar as demandas da escola e seu entorno, promover planejamento estratégico participativo e estar atento/a às grandes mudanças contemporâneas. O perfil de um bom gestor/a é, portanto, dinâmico, construído no enfrentamento diário de adversidades, injunções, desafios e, sem dúvida, na percepção das possibilidades.

O conhecimento e a aplicabilidade de alguns documentos são imprescindíveis neste processo de eleição, quais sejam: Constituição Federal Brasileira de 1988; Currículo em Movimento da Educação Básica do Distrito Federal; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9.393/1996; Projeto Político -Pedagógico da Unidade Escolar; Estatuto da Igualdade Racial; Estatuto da Criança e do Adolescente; Lei nº 10.639/2003; Lei nº 11.645/2008; Lei Distrital nº 5.714/2016; Lei Distrital nº 6.325/2019; Lei Federal nº 11.133/2005; Lei Federal nº 12.612/2012 e Lei Distrital nº 6.846/2021.

A gestão democrática nas escolas públicas não começa nem termina com a eleição para gestor/a, em que pese a sua maior importância e significado comparada às indicações. O processo democrático é mais amplo e complexo, porque exige participação na eleição, nas discussões, decisões, no planejamento, execução e avaliação do tripé Gestão Pedagógica, Gestão Administrativa e Gestão Financeira. Certas concepções, posturas e práticas precisam ser consideradas ao se pensar na possibilidade de candidatura.Cito algumas:

Reconhecimentodo caráter laico, democrático, plural e diverso da escola pública.

Busca de uma formação técnico-política para que se possa levar a cabo a complexidade de uma gestão colegiada.

Elaboraçãodeproposta que contemple os quatro lados do respeito: laicidade, pluralismo, diversidade e direitos humanos.

Concepçãode gestão escolar como um princípio de atuação democrática e não como um mecanismo de mando, onde prevalece a arrogância e a tomada de decisão unilateral.

Desmistificar a ideia de “ser gestor/a como status” e “ganho financeiro” e fortalecer a função de gestor/a como um serviço compartilhado de maneira colegiada para transformar a realidade.

Apreender o conceito de gestão escolar em sua circularidade, complexidade e possibilidade de promover a transformação político-social e econômica, tendo o Projeto Político-pedagógico como instrumento de mediação sócio-histórica e analítica.

Discutir o despertar de novas lideranças mais alinhadas com os processos democráticos, com e para além da Lei de Gestão Democrática (4.751/2012), no sentido de dar nova vitalidade às dimensões pedagógicas, financeiras e administrativas da escola.

Debater concepções e práticas, sem preciosismo ou saudosismo, reconhecendo as contradições, limitações e possibilidades do contexto financeiro, pedagógico e administrativo.

Suscitar o diálogo com as demais instâncias do poder púbico, a fim de buscar, em conjunto, as soluções para os problemas cotidianos.

Discutir os mecanismos de participação com a comunidade escolar, para que haja uma conscientização da importância dos colegiados, bem como o seu planejamento estratégico, no que couber, com as mãos e os distintos olhares dos sujeitos envolvidos na ação pedagógico-administrativa.

Ter em mente que todos ganham com uma gestão democrática na escola pública, sobretudo a sociedade brasileira, que teve experiência de ditadura civil militar (1964-1985) e, mais recentemente, tentativa de golpe de Estado e de violação do Estado Democrático de Direito, em 08 de janeiro de 2023.

A sociedade brasileira contemporânea clama por democracia, e o seu fortalecimento passa pela educação em seus diversos níveis, pelos movimentos sociais/populares, poder público, lideranças religiosas, lideranças políticas, grande mídia e outros setores efetivamente comprometidos com a democracia.A gestão democrática da escola pública é mediação, é embrionária nessa luta pelofortalecimentoda democracia. É tempo de proposições.É tempo de debate transformadores.

*Cristino Cesário Rocha

Professor da rede pública do DF. Formação filosófico-teológica. Especialista em: Administração da Educação - UnB; Educação na Diversidade e Cidadania com ênfase na EJA - UnB; Educação, Democracia e Gestão Escolar – UNITINS/SINPRO-DF e Culturas Negras no Atlântico: História da África e afro-brasileiros -UnB. Mestre em Educação - UnB. Membro do Grupo de Estudos em Materialismo Histórico Dialético e Educação, Coletivo Consciência Negra Dandara, Grupo Pós-Populares – Democratização do Acesso a Universidade Pública pelo Chão da Pesquisa. Coletivo Educação Antirracista (SEEDF). Coletivo Mestres e Doutores da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Colaborador na Formação de Educadores/as Populares – Centro de Educação Paulo Freire – CEPAFRE/Ceilândia/DF.

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