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Onde estão os homens da televisão?

Eleitor


Agora com 21 anos, iria votar pela primeira vez. E dessa vez obrigatório. Havia conseguido fugir da última eleição presidencial devido ao seu aniversário, mas agora não tinha jeito, iria exercer a cidadania forçada, ao menos para ele que não via muito sentido em campanha eleitoral.

A regra é clara, voce precisa escolher um presidente para odiar e culpar todos os problemas do país nos próximos quatro anos. Deputados e senadores são um aglomerado de malucos que ninguém da a mínima, mas são os qua mais incomodam. Fazem carreatas, soltam fogos e pegam nas mãos de todos pedindo voto. Teve um que comeu no restaurante comunitário, deixou o prato limpo; se fosse um candidato comum, iria almoçar por ali todos os dias, mas esses caras só veem em época de eleição.

Ainda nos anos 2000, a internet não era rápida nem acessível em todas as casas, a tv aberta era o entretenimento ou emburrecimento gratuito. Durante as eleições havia o horário da propaganda eleitoral gratuita. Aquele cidadão, do começo do texto, sempre se perguntava, se devia assistir ou não, se ligasse o rádio a ladainha era a mesma. Por fim, não tinha coragem para ler um livro. O jeito era ver aquele Brasil que só existia na televisão. No fundo ele gostava de propaganda eleitoral, ali tinha um brasil diferente, imagens lindas, gente bonita de todos os cantos, promessas, música que emocionava, artista declarando apoio ao candidato que por fim falava encarando a câmera. Aquilo era muito bizarro, ele se sentia na obrigação de ouvir. A tv mentia, mas as imagens seduziam e sedavam aquele trabalhador que ficava 14 horas longe de casa. A sobra do almoço era o jantar, pra acompanhar, uma cerveja solitária do churrasco do final de semana. Tinha até uns candidatos engraçados, fantasiados, armados e até abraçado à família, algo imprescindível para qualquer concorrente ao pleito, mesmo que ele não tivesse uma.

Depois do dia de votação, ele se perguntava: Onde estão os homens da televisão?


Cabo eleitoral


Desempregado há um bom tempo, com a chegada das eleições, ele sempre conseguia um bico de cabo eleitoral. Deixava claro que era apartidário, que estava pelo dinheiro, mas sempre gostou dos candidatos que de fato tinham dinheiro e se vestiam bem, desta forma ele se imaginava um dia naquele lugar interpretando o mesmo papel. Vida de cabo eleitoral não é fácil, são 45 dias trabalhando sem parar. Para a campanha dar certo, o primeiro voto a virar tem que ser o da família do cabo eleitoral. Antes dos jingles ensurdecer as ruas, antes do asfalto ficar coberto de panfletos, o coordenador sempre fazia uma reunião regada a comida e bebida falando das estratégias da campanha, do candidato e de sua índole. Por fim, o candidato sempre aparecia no final da reunião, pegava nas mãos de todos e fazia um discurso que no final não permitia que concluísse suas palavras sufocado pelos aplausos da plateia formada de cabos eleitorais.

Agora sim, eles estavam prontos, convenciam a família de modo rápido, depois os amigos e por fim a vizinhança, muito similar ao pessoal das igrejas pentecostais na rodoviária, cada voto conta. O cabo eleitoral brilhava os olhos ao falar de seu candidato, mentia dizendo que o viu crescer no bairro, que seus pais se conheciam e que os tempos eram outros, porque a política precisava de sangue novo, mesmo o candidato sendo o filho e neto de político.

Bom mesmo era quando passava o comercial eleitoral e ele estava lá declarando seu apoio ao amigo, vizinho e profissional que o país merecia, mesmo nunca tendo convivido com aquele alienígena. Na TV as filmagens brilhavam e uma parte da música tocava exaltando os números do candidato, no final ele sempre aparecia sorrindo com seu nome sendo assinado no vídeo.

O cabo eleitoral não entendia porque as pessoas relutavam em conhecer o seu candidato, talvez ele fosse progressista demais para os mais velhos ou conservador demais a juventude. Como o povo pode ser tão burro em não querer ouvir as suas propostas?

Quando ele acordou na segunda depois de comemorar a vitória de seu candidato, viu que estava novamente desempregado, sem rumo e sem perspectiva de futuro, questionando aonde estaria nesse momento aquele homem eleito que ele viu passar na televisão.


Político


Não precisou se esforçar desde cedo, herdeiro de um curral político e com preguiça de trabalhar, confidenciou ao avô, um idealista, que tinha o sonho de lutar por seu país, queria ser político. O avô, emocionado, o alertou sobre os dessabores, mas sentiu uma chama lhe convidando para voltar aos anos dourados das diretas e demais movimentos políticos do qual participara. Ligou para velhos amigos em Brasília, escolheu um partido de centro, caso o neto não ganhasse tentaria uma vaga em algum penduricalho da patifaria pública. Mas antes da eleição ele precisava ser mais visto, começou a andar com o neto pela periferia dando brinquedo e tomando café frio nas humildes residências daquela cidade. Festas de igreja não perdeu nenhuma, com incentivo do avô, pegava no microfone usava o batido Salmo 91 e finalizava com: Deus abençoe esta nação.

Durante a campanha, ele andava meio entorpecido pelas ruas, as vezes por domínio das drogas ou por falta de domínio para falar com tanta gente. Beijou mais gente na campanha do que durante toda a sua vida. Tomou água quente onde lhe ofereciam, queimou a língua com pastel na feira, botou pimenta em trocentas coisas salgadas que vendiam na rua. No final de todo dia, gravava um dia relatando por onde havia andado e o que prometia fazer naquele local se fosse eleito. Se empolgou com a campanha, começou a prometer coisas descabidas, passou o telefone para muita gente gente desconhecida, no meio do caminho, até engravidar uma eleitora ele conseguiu.

No dia primeiro de janeiro do ano seguinte, tomava posse no congresso com mais de 500 companheiros, alguns famosos e alguns novatos como ele. No congresso, perdido, sem rumo, recebia sempre visitas, amigos de seu avô, pessoas que a família devia favores e dinheiro, afinal, a eleição tinha custado um preço. Devolver o dinheiro não era problema com tanto esquema disponível, o problema era se reeleger pra cumprir outros compromissos que havia feito, inclusive a pensão alimentícia.

Antes de dormir a base de calmante ele pensava: Era tão mais fácil na televisão!


Thiago Maroca é mestrando em Educação e Tecnologias na Universidade Estadual de Goiás. Servidor da Universidade de Brasília, ele adora escrever e desenvolve projetos culturais.




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